ENTREVISTA - ALEXANDRA PRESSER

Autora de MOBILE COMICS – TUDO QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE QUADRINHOS PARA DISPOSITIVOS MÓVEIS, MAS NÃO TINHA A QUEM PERGUNTAR, Alexandra Presser nos concedeu esta valiosa entrevista.

 

FD – É a narrativa em tela pequena que se agiganta quando o assunto é produzir os mobile comics? Ou os outros aspectos deste fazer arte – cores, narrativa, texto – são tão importantes quanto?

 

R – Todos esses elementos são importantes, tanto para webtoons como para quadrinhos clássicos. O que se agiganta, nesse caso, é que a narrativa tem que ser pensada de outro jeito. Enquanto nos quadrinhos impressos o autor precisa se preocupar com o design de cada página, e em deixar um pequeno gancho a cada virada sempre que possível, nos webtoons a preocupação é em como manter o leitor envolvido continuamente em uma mídia tão pequena como um celular, e em situações em que, normalmente, o leitor está com sua atenção dividida com outras coisas.

Existe, claro, essa preocupação em tornar a arte atraente para isso, mas já há um bom consenso entre autores sobre quadrinhos que é mais fácil o leitor se envolver em uma HQ com narrativa boa e arte mais-ou-menos do que o contrário.

 

FD – A sobrecarga de funções dos autores de webcomics/webtoons seria a responsável pelo pouco uso dos recursos hipermidiáticos disponíveis nos meio digital? Roteiro, desenho, letras, cores, divulgação deixariam pouquíssimo tempo para incluir trilha sonora, trechos em animação?

 

R – Isso, e muitas vezes a falta de conhecimento. A grande maioria dos autores de webtoons (e, sejamos honestos, de quadrinhos em geral) aprendeu o que sabe sozinho. Trabalhar de forma otimizada com hipermídia requer todo um conhecimento bastante amplo das tecnologias, e a gente não pode julgar os quadrinistas de escolherem investir seu tempo de estudo em arte e narrativa ao invés de como fazer animação ou edição de som, né?

Daí é importante considerar também que webtoons dificilmente rendem um retorno financeiro suficiente para que os quadrinistas façam apenas isso de suas vidas, ou para que possam pagar outros profissionais para fazer essas coisas de maneira satisfatória.

 

FD – Definitivamente, não são intercambiáveis quadrinhos para o impresso e os mobilecomics para tela pequena? Sempre ocorre alguma perda? Se “sim”, quais seriam?

 

R – Definitivamente é um termo muito forte! Existem alguns autores que abraçam a ideia de fazer suas histórias funcionarem nas duas mídias. Lore Olympus, da Rachel Smythe (possivelmente o webtoon de mais sucesso atualmente) está saindo impresso. PunderWorld, da Linda Sejic, e as séries originais do marido dela, o Stepjan Sejic, também são feitas e adaptadas para os dois formatos. Pode acontecer de se perder um pouquinho na qualidade da narrativa ou da arte de um para o outro, mas no geral, se o autor se compromete em ter esse trabalho duplo, pode funcionar sim.

Mas que fique claro que é, sim, um trabalho dobrado! Rediagramar as páginas para formato webtoon, ou vice-versa, é quase o mesmo trabalho que refazer-las. Mas tem a vantagem de atingir o dobro de público, o que é bem válido de consideração.

Eu, pessoalmente, não sei se teria paciência. Odeio retrabalho.

 

FD – Um certo autor durante certa entrevista ao brandir exemplar de uma das suas próprias obras afirmou “isto aqui (livro) é uma tremenda cachaça”. Você já se sentiu uma quadrinhólatra ou viciada no consumir/produzir arte?

 

R – Ah, amigo. Não vou nem fingir que não! Lembrando que quadrinhos dá pouco dinheiro mesmo quando está dando bastante dinheiro, não tem como fazer se não gostar muito! Eu mesma estou investindo um tempo precioso – que não tenho! – em um projeto novo para lançar ano que vem e me pergunto por que diabos ainda faço isso!

Isso pelo ponto de vista de fazer quadrinhos. Pelo ponto de vista do consumo, agora com a popularização dos webtoons e a tonelada de quadrinhos maravilhosos que eu posso ler no celular enquanto faço o meu filho dormir... nossa, eu não consigo nem me imaginar sem!

Cachaça sim. Da melhor qualidade!

 

FD – Com a mentoria dos concursos internacionais e das plataformas de webcomics/webtoons só não se torna um autor de traço profissional quem for o “receptáculo da preguiça”? Ou são muitas as barreiras a vencer para se ter um trabalho de qualidade apurada?

 

R – “receptáculo da preguiça”, que expressão maravilhosa!!!

Mas eu não vejo o “problema” como preguiça não. O que um quadrinista precisa é disciplina, e isso não é necessariamente o oposto de preguiça.

Disciplina é muito mais relacionada com organização e comprometimento com prazos autoimpostos, e isso é um desafio mesmo para pessoas superprodutivas. Ter a paciência de estudar bem um personagem, um estilo de traço, de planejar uma história do início ao fim antes de sair desenhando, manter uma periodicidade de publicação, são coisas difíceis de se conseguir quando se trabalha sozinho.

E outra coisa importante: “traço profissional” é um conceito bem abstrato. Repetindo o que falei antes, saber contar uma história (ou seja, a narrativa) é muito mais importante que a arte. A arte ajuda a impressionar e a captar leitores, mas não é o que mantém eles lendo cada capítulo novo.

Mas também é legal deixar registrado o quanto hoje em dia é mais fácil aprender sozinho! Dificilmente um quadrinista fica sem resposta para alguma dúvida de “como fazer”. As ferramentas são melhores, as técnicas são mais difundidas, e até a distribuição é mais fácil, seja digital ou impresso.

 

FD – Webcomics sendo impressas é algo comum. Por esta questão mercadológica o autor precisa produzir sua webtoon/webcomic com olhar atento para futura impressão de suas obras?

 

R – Precisar não precisa. Para suprir a necessidade de ter algo físico de suas histórias (isso tanto para o autor como para os leitores), produtos diversos podem ser feitos, como merchandising, histórias paralelas, prints etc. E para suprir a necessidade financeira, felizmente o público leitor de webtoons já é adepto de contribuir com o conteúdo que consome sem ter necessariamente algo físico em troca. É o caso de assinantes do Patreon, que pagam pequenas quantias mensalmente para ter acesso muitas vezes apenas à conteúdos digitais exclusivos.

Acho que essa cultura, inclusive, se consolidou muito com a popularização dos serviços de streaming: pagar para ter acesso ao conteúdo e não precisar mais se preocupar em onde guardar caixas de DVDs, CDs, e outras mídias físicas já absolutamente defasadas.

E que fique bem claro que eu não acho que livros sejam defasados, muito pelo contrário. Mas vamos combinar, que eles pesam bastante e ocupam um espaço considerável: é mais comum hoje em dia o leitor querer ter impresso apenas do que realmente ADORA, e consumir outros conteúdos de forma digital também.

 

FD – Colocando o pé no transmidiatismo, a já citada sobrecarga de funções dos autores impedindo o uso de recursos midiáticos disponíveis estaria impedindo que as webcomics/webtoons evoluíssem para o audiovisual pleno? Ou ir de webcomic para audiovisual pleno é humanamente impossível para apenas um ou dois autores?

 

R – Eu vou te responder essa com outra pergunta: Precisa?

Quadrinhos em si já não são uma mídia maravilhosa, em que a gente pode consumir em silêncio, em um cantinho qualquer, no transporte público, esperando o atendimento no banco... ainda mais agora que ler no celular é tão confortável com os webtoons!

E vou assumir que quando você fala audiovisual, você está se referindo à desenho animado, ou até cinema. Essas duas mídias são normalmente habitadas por equipes inteiras, multidisciplinares, mesmo para pequenos conteúdos, como curtas ou até propagandas. Imagina só um quadrinista sozinho tentando produzir sua história em quadrinhos e depois ainda tentando animá-la! Ele já lida com a pressão de ser quadrinista, social mídia, promotor, vendedor, editor, revisor... Sem condições.

 

FD – Meus mais sinceros agradecimentos por conceder esta entrevista e aproveite para falar de seus projetos, formas de contato.

 

R – Eu que agradeço a oportunidade de falar do assunto que mais gosto!!

Eu centralizo minhas coisas no site alepresser.com, lá tem links para minhas redes sociais e até para a minha tese de doutorado sobre Mobile Comics (Webtoons). Sobre projetos, além de A Girl And Her Fed (disponível em agirlandherfed.com) na qual eu sou a desenhista da série desde 2019, e minhas HQs antigas (a maioria disponível no Tapas.io), ano que vem (2022) deve ter coisa nova sim.

Muito obrigada! 

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